Iniciação da fé ao Ifismo
Para muitos, falar de fé é falar de algo que permeia o campo da opinião e da crença individual.
Embora, para tantos, a fé seja um domínio distante daquele no qual reina a chamada razão, para nós Ifistas, trata-se de algo mais amplo: transcendente, visto que extrapola a mera opinião (achismo, frouxo e insuficiente), tangenciando a esfera racional, fomentando-a, desde que para isso haja brecha.
Fé e razão devem encontrar-se interseccionadas.
Entendamos a fé benéfica como aquela – e somente a mesma – que pode (e deve) coexistir, equilibrada e harmonicamente, com a razão. Mas, fato é que tantas vezes a fé extrapola os limites da razão, impulsionada por nossas emoções; e isso como que num lapso de convicção arrebatadora, a qual nos domina e nos faz crer no impossível.
Devemos, assim, ponderar, haja vista que a fé raciocinada é uma virtude; já a fé cega, muito pelo contrário, não é. E essa última já nem deveria ter espaço nos dias atuais.
A fé professada pelos adeptos do Ifismo implica, em geral, primeiramente, na crença em Deus (Olodumare, Olofin e Olorun).
Incide, também, na fé em Orunmila, grande farol da religião em questão. Além disso, da fé dirigida pelos devotos aos muitos Orishas, aos nossos Ancestrais, nos sacerdotes (Babalawos) que operam com as diversas vibratórias componentes do corpo doutrinário contido em Odus e, principalmente, da fé do indivíduo praticante da religião (seja em nível sacerdotal ou não) em si mesmo e na realização de seus objetivos, desde que enquadrados no par merecimento-benefício, intimamente relacionado com seu destino.
Nós, enquanto Ifistas, somos detentores de uma fé racional, orientada pelos ditames de Orunmila-Ifa, em detrimento daquela que adentra no espaço do fanatismo irrefletido. Orunmila (vibratória proeminente, abaixo tão somente de Deus) é nosso porto seguro; aquele que nos revela (ou relembra) até onde nossos braços e pernas podem e/ou devem chegar.
Trata-se do “Eleripin”, isto é, “Quem testemunhou nossa criação e escolha de destino” (a rigor: “Eleri” – “Testemunha ou Aquele que viu”; “Ipin” – “da escolha individual”).
Ifa, como já discutido, é o sistema oracular divinatório que fundamenta a prática religiosa Ifista.
Este tem por fim revelar, através de diálogos tecidos com Orunmila (mediados por um Babalawo, de fato e de direito) o âmago do ser (consulente em busca da revelação de determinado aspecto referente ao seu destino), isto é, as verdades por trás do véu de nossas escolhas pré-encarnatórias.
Sendo assim, temos em Ifa nossa bússola; e é nele que encontramos a certeza da via a ser seguida.
No que concerne às verdadeiras possibilidades e limites de quem busca suas orientações, Ifa proporcionará, a quem quer que seja (iniciado em Ifa ou não), o adequado estado de espírito, através do qual, tomado de fé/convicção bem alicerçada, poderá viver suas batalhas diárias, com norte preciso e definido.
De fato, não é por conta de ser, você, adepto de uma religião que não existirão dificuldades em seu caminho. Dificuldades certamente existirão. Sem essas não há aprendizado… Não há evolução.
Mas, tal fardo foi colocado por sobre seus ombros por você mesmo, em escolha pretérita de destino (no máximo, em caso de ter sido depositado por outrem em suas costas, sem que houvesse uma programação prévia aparente para isso, foi consentido, em processo de desvio de destino).
E, cientes de nossas escolhas, caminhamos muito melhor, calçados e por vias iluminadas.
A função da fé não reside na automática resolução de nossos problemas materiais. A fé é o combustível que nos inspira a resolvermos tais problemas racionalmente, sendo a mente e a razão os “motores” receptores de tal combustível.
Acreditamos, assim, que seja a fé não aquilo que move as montanhas da existência, mas, sim, aquilo que nos faz persistirmos, inabalavelmente, na escalada de tais montanhas, desde que esteja em nossa programação de destino as escalar, ultrapassando-as.
Orunmila-Ifa é o hábil mediador entre a fé e a razão, uma vez que atua, basicamente, em estímulo à compreensão racional do ser, ampliando sua consciência e orientando seu caminhar.
Tem por objetivo favorecer seu autoconhecimento e cumprimento de destino, e nesse processo, rechaça quaisquer perversões de propósitos de existência motivadas pela desorientação.
Orunmila, orientador por excelência, tem tanto caráter mantenedor da razão, inteligente e examinadora, quanto interventor da fé religiosa que em tudo crê, vagamente e irrefletidamente assumida. Assim sendo, nessas horas turbulentas, nas quais perdemos o rumo aparente, nos aponta os limites oceânicos (e, aqui, podemos associar o elemento água às nossas íntimas emoções) de nossas possibilidades de vida.
Se a fé nutrida pelo ser encontra-se apoiada em suas certezas, relativas aos propósitos existenciais que verdadeiramente escolheu atingir, certamente, o torna capaz de encarar com imensa tranquilidade o necessário enfrentamento dos problemas apresentados no porvir.
E, dessa maneira, solucioná-los (ou, por vezes, contorná-los) não será motivo de desespero repentino. Pois, uma vez que, pelo entendimento de seu destino, poderá identificar em quaisquer situações as oportunidades imprescindíveis ao seu crescimento interior.
Por fim, podemos dizer que fé é convicção plausível, que mantém viva a chama da perseverança, tão necessária no nosso dia a dia; que nos potencializa, de forma que não nos deixemos abater pelas dificuldades presentes em nossos caminhos de vida.
Em tempos tão conturbados quanto os de hoje, basta-nos Orunmila-Ifa, sustentáculo da fé racional. Ser um iniciado em Ifa consiste na opção por um caminho seguro para a travessia tortuosa da existência corpórea, rumo às conquistas dos valores eternos e transcendentais a nós cabíveis.
Tenhamos, assim, fé convicta, que avive nosso ser e que sustente firmemente nossos passos escolhidos. E que sigamos adiante, passo a passo, pela nossa estrada da vida, vencedores por opção.