TRATAR DO ESPIRITUAL
Em algumas oportunidades ouvi pessoas dizerem: “preciso tratar do meu espiritual”.
E com esse objetivo buscaram saber nos jogos de Ifa qual é o Orisha de ori, espíritos guias e
outras entidades espirituais as quais procuram curiosamente saber para “tratar”. No entanto, sem se
interessarem, efetivamente, em ter o conhecimento de como são nos seus pessoais. Ou seja, em
alinhamento do material com o espiritual das suas próprias existências individuais.
Tratar dos guias espirituais e dos Orishas não define propriamente o tratar do espiritual
pessoal, o que é o propósito maior do culto praticado por um iniciado em Ifa.
Tratar dos guias se refere ao cumprimento dos compromissos assumidos pela pessoa com os
guias antes do encarne, e não de um alinhamento próprio entre o seu espírito e matéria.
Tratar de Orisha também é o cumprimento assumido por alguém que se iniciou no culto de
Orisha, dentro das devidas cerimônias de consagração, sacralização e juramento iniciático, não
do seu pessoal de espírito, matéria e destino individual.
Há casos em que a ancestralidade da pessoa influencia demasiadamente no seu viver, e
mesmo operando com Orishas e guias o alinhamento de destino e vida não acontecem. E essa
questão de ancestralidade, que é muito complexa, envolve aspectos hereditários das heranças
de DNA material e espiritual, processos de reprodução cultural educacional, de ciclos repetidos
de geração para geração, que precisam ser mais bem compreendidos no individual de vida
cada pessoa e não nas relações com as espiritualidades de manifestação mediúnica.
Existem pedras no caminho (carmas que precisamos resgatar, situações que precisamos
passar), que os guias e Orishas não podem remover, mas, que nos auxiliam a transpor.
Contudo, esses obstáculos são reais e constam para a nossa superação e aprendizado.
Em um caminho do Odu Odi Juani, Eshu diz para um iniciado: “não sou seu criado e escravo, mas
sim o seu guardião”.
Então, não devemos cobrar das espiritualidades não termos que passar
aquilo que devemos passar por questão das consequências das nossas próprias personalidades
condutas e atitudes as quais nós mesmos causamos (carmas anteriores e atualmente
adquiridos). As espiritualidades nos ajudam a suportar, mas, não apagam os atos praticados e
essas pedras fomos nós mesmos quem as colocamos nos caminhos, e devemos transpô-las.
Temos que lembrar que as nossas experiências do presente (situações que vivemos –
consequências) são resultados das nossas escolhas do passado (atitudes – causas), assim como
as nossas experiências do amanhã dependem das nossas escolhas do hoje. E isso não resulta
dos Orishas e guias, mas, tão somente, do nosso próprio ori (cabeça) em razão das condutas.
Um grande pensamento e ditado do Candomblé expressa: “quando o ori não quer nem o
Orisha resolve”.
No sistema reticulado cartesiano dos planos existenciais, o horizontal representa o plano
material e o vertical o plano espiritual. No nosso processo evolutivo, fisicamente, estamos
habituados a fazer um desenvolvimento horizontal, estudamos e frequentamos faculdade para
nos tornarmos profissionais, adquirimos casa, bens de consumo e outros elementos materiais,
e tudo isso é do horizontal e pertencem ao corpo físico. Somos criados e educados para tal.
Mas nós precisamos também expandir aquilo que é necessário ao corpo emocional, isso
também precisa ser desenvolvido, é uma questão de fazer o melhor para a evolução da nossa
consciência, o que está diretamente relacionado ao nosso mental e espiritual, o vertical que
precisa ser valorizado. Quando conseguimos alinhar e ajustar os nossos sentimentos, estamos
equilibrando o nosso emocional, e por consequência, trabalhando no nosso espiritual.
Temos que fazer o despertar dos sentimentos humanos que habitam dentro de nós de forma
organizada, e retirar, pôr de dentro para fora, os sentimentos de desequilíbrios. Para cada
emoção existe um sentimento que a impulsiona. Se exemplificarmos com o sentimento da
raiva, para expurgá-lo, temos que contrapor potencializando outros sentimentos, como o da
paciência, o da tolerância ou o da compreensão. Se desenvolvermos dentro de nós e
utilizarmos esses outros sentimentos, a raiva não tem o espaço para se manifestar
internamente, e esse é um processo da melhora do nosso emocional que proporciona um
aperfeiçoamento no existencial pessoal, o que está diretamente relacionado à verticalidade do
espiritual. Quando conseguimos desenvolver os sentimentos mais sublimes dentro de nós,
contrapondo aos negativos, a nossa percepção sofre mudanças para o melhor, o
entendimento e relação conosco muda, a nossa visão e a relação com as pessoas muda, a
nossa forma de agir nos setores diversos de atividades muda, e assim temos a condição da
transformação e nos tornarmos mais úteis para nós mesmos e para o mundo (evolução).
Todavia, é fato que os investimentos que aprendemos a fazer desde cedo é o da direção para
as questões relacionadas ao horizontal material, pois, para muitos, quem se destaca nesse
campo é o exemplo daquele bem sucedido, mesmo que os meios utilizados para esse
crescimento do horizontal não tenham sido avaliados, visto que, por vezes, são até firmados
em atropelamentos e desrespeitos a terceiros.
Com Ifa possuímos as ferramentas da revelação e conhecimento para cuidar do nosso
espiritual. De cuidarmos desse vertical exposto.
Ficarmos fixos em dúvidas de como incorporar, de como aprender a fazer comidas de Orishas e
outras questões afins não se referem ao cuidarmos do nosso espiritual pessoal. Temos que ter
o autoconhecimento, saber lidar com os nossos sentimentos e emoções, saber lidar com o
social e entendermos das nossas possibilidades de vida (insistirmos no que podemos – nos
pertence e estão nos nossos caminhos de destino, e deixarmos de lado o que não podemos –
o que não nos pertence por destino), e termos a compreensão das nossas limitações e
potencialidades. Assim, podemos criar e fomentar os processos da nossa evolução espiritual
pessoal e não apenas o da relação com as espiritualidades. Ou seja, com a melhoria do nosso
caráter e atitudes, conseguimos alinhar a matéria ao espírito e com isso ter o nosso espiritual
bem tratado.
Dessa forma, quando a pessoa está com o seu individual espiritual equilibrado, conforme o já
exposto, o próprio processo de incorporação e manifestação das espiritualidades externas se
torna mais fácil e com a frequência energética mais firme.
O espírito existe antes da matéria e não podemos inverter valores, pois, a matéria de encarne
foi criada para cumprir uma escolha do espírito, e, portanto, quando damos mais atenção ao
citado horizontal, damos oportunidade à matéria de governar o espírito, e aí, caímos na
condição de não “cuidar do nosso espiritual”. A matéria não pode ser o veículo condutor do
espírito, e para isso, temos o respaldo nas revelações de Ifa que sempre nos orienta a sermos
pessoas melhores, com todos os informes, entendimentos e aceitações necessárias para a
evolução que possuímos como compromisso do nosso próprio espiritual.
Iboru Iboya iboshishe
Wladimir Bittencourt
Babalawo de Orunmila Otura Tiyu
Belo ensinamento! Sempre pensei que o espiritual vem à frente do material e agora leio seu texto muito bem fundamentado, confirmando meu “achismo”. Ire ooo
Oi, Dayalla!
Temos por objetivo o equilíbrio material com o espiritual, pois nessa condição o mental também permanece em estado de harmonia.
Trabalhamos os ajustes nesse contexto.
Grato pela sintonia.
Bênçãos de Orunmila.